terça-feira, 14 de maio de 2013

Uma história antiga dum quadro com história...

Não tenho por hábito coleccionar "tarecos" antigos, mas sempre achei muita graça aos objectos que passam de geração em geração e que têm uma história...há uns meses, a minha mãe encontrou na sua casa umas botinhas de lã cor de rosa, amorosas, muito fofinhas e quentinhas, que eram minhas quando eu era bebé, pelo que têm pelo menos 40 anos e, portanto, considerei-as logo uma pérola...a minha mãe nunca guardou religiosamente as nossas recordações, sejam elas fotografias, objectos ou qualquer outra  ligação com o passado, pelo que os nossos antigos pertences lá andam em parte incerta e, quando se encontra algum, é motivo de festa...
As botinhas de lã fizeram as minhas delícias, até porque já ninguém usa botinhas de lã, e não hesitei em calça-las à Leonor assim que lhe serviram e que o frio chegou...adoro colocar-lhas e dizer-lhe que foram minhas quando eu tinha a sua idade e passei a chamar-lhes "os sapatinhos da Cinderella".
No passado Sábado, numa digressão ao shopping e numa tentativa frustrada de fazer umas comprinhas de Natal, lá fomos nós com a Nônô e os sapatinhos da Cinderella calçados para uma tarde que se vislumbrava animadora...
"Enclausurei" o Pedro na FNAC, que é o único lugar no shopping onde consegue estar sem se aperceber do passar das horas, peguei na bebé e comecei a minha tournée no piso superior...de loja em loja, ia tentando descobrir o presente ideal para o tio-A, para a tia-C, para o amigo-X e para o sobrinho-Z e a frustração começava a ser grande porque a imaginação faltava...passadas umas horas e com as mãos livres de compras, combinei encontrar-me com o Pedro que vinha todo sorridente, pensando que o shopping estava "feito" e que a casa era o próximo destino...
Quando olhei para um dos pés da Leonor, reparei que um dos sapatinhos da Cinderella estava quase a cair e pedi ao Pedro para coloca-lo convenientemente porque estavam ali 40 anos...o pior foi quando o Pedro me respondeu que o outro pé já estava descalço!
Aqui começou a nossa aventura...foram quilómetros e quilómetros palmilhados no shopping de trás para a frente e da frente para trás, as lojas varridas, os corredores passados a pente fino mais a zona da restauração, os lojistas inquiridos, as senhoras do balcão de informações indagadas, mais as empregadas da limpeza questionadas e mais tudo o que nos aparecesse pela frente interrogado...acho mesmo que passámos por maluquinhos ou mesmo por loucos!
Por entre o ar incrédulo de uns e a indignação de outros, lá íamos nós, tentando explicar que era dum valor afectivo e sentimental que se tratava (sim, porque ninguém compreendia que duas alminhas andassem há horas à procura duma objecto tão "insignificante") e, ainda por cima, em contra-relógio porque na história infantil o tempo limite é a meia-noite e o Cascaishopping tem a agravante de encerrar às 23h! Uffa, foi uma estafadeira...eu já nem sentia as pernas como se de uma aula de step tivesse saído, o Pedro, que habitualmente não dá um passo, mais parecia ter corrido a meia-maratona e a Nônô, no meio de tanta exaustão, já dormia como um anjinho...
O shopping fechou e a desilusão apoderou-se de nós, sim de nós, porque o Pedro também achava graça aos sapatinhos da Cinderella; ele adora objectos que perduram no tempo e que se imortalizam com o passar dos anos, ou melhor, ele colecciona T-U-D-O, e quando digo tudo é mesmo T-U-D-O!!! Nunca se desfez dum brinquedo desde que nasceu, tem uma colecção de t-shirts emblemáticas dos 1001 concertos a que assistiu ao longo da vida, mais um sem número de miniaturas de carros e motas que deliciariam muitas crianças e mais uma panóplia de capacetes em tamanho real que nunca usa! Costumo dizer-lhe que só os velhos têm estas manias e que, apesar do seu quase meio século de existência, nada justifica a sua colectânea de haveres. Eu não guardei quase nada da minha infância (excepção feita a uma boneca, a Pipi das meias altas, que me foi oferecida por um veterinário amigo da família e a um urso de peluche, o Giovanni, que os meus pais me trouxeram de Itália quando eu era pequenina) e colecções, só mesmo a de Santos "António", que prolifera há muitos anos lá por casa e que faria inveja a muitos membros do Clero...mas aquelas botinhas de lã tinham um significado especial para mim...
Fomos para casa e decidimos que, pela manhã, regressaríamos ao shopping na esperança que, após a limpeza das lojas, o sapatinho da Cinderella fosse encontrado...e a saga repetiu-se...e as lojas foram novamente todas batidas e as empregadas, que já nos conheciam da noite anterior, sorriam, mas nada do que procurávamos conseguimos reaver!
A frustração aumentava e lembro-me de num dos "select rewind" que fiz à minha memória ter dito ao Pedro que possivelmente teria sido na Zara que o sapatinho da Cinderella teria ficado...logo na Zara, que por azar era a loja maior pela qual  tinha passado e que aos fins-de-semana mais parece uma feira com tudo mexido e remexido e com a agravante dos expositores terem um espaço aberto nas respectivas bases onde tudo, além do pó (mais que muito!), se pode acumular!!! Voltámos à Zara e perguntámos pela milionésima vez (aqui já começava a sentir uma certa vergonha) mas a resposta era sempre negativa...
Comecei a mentalizar-me que era melhor dar o caso por encerrado porque, dada a insignificância do objecto em questão, o mais certo era alguém o ter posto no caixote do lixo...acho mesmo que foi o único sítio que não vasculhámos! Contei o episódio à minha mãe, que com o seu lado mais pragmático e humorista, me disse que guardaria a botinha de lã que restara que, por ficar desirmanada, passaria a ter 80 anos...
Sou de ideias fixas, tão fixas que tenho a noção que muitas vezes me torno obstinada o que, aliado à minha teimosia, resulta numa combinação perigosa e daí, o amigo que desenhou há uns anos o logotipo para a minha clínica, ter decidido que o cão que lá constaria seria o cão do Asterix- o Ideafix!
Na 4ª feira regressei ao shopping para ver se finalmente fazia umas compras de Natal e, passando novamente pela Zara, lembrei-me de perguntar na caixa se não havia sinal do sapatinho da Cinderella...a responsável de serviço disse-me que já tinha ouvido falar na história (estranho seria se não tivesse ouvido!) e adiantou que afinal a colega Catarina teria encontrado a botinha de lã e, de imediato, a Catarina foi chamada à caixa central! Eu estava radiante de felicidade e aguardava ansiosa a chegada da Catarina que ao ver-me confirmou toda a história, garantindo-me que teria deixado a "preciosidade" naquela caixa e iniciou a busca pelos perdidos e achados da loja...meia-hora de buscas e nada! Mais empregados mobilizados (acho mesmo que a dada altura estavam mais empregados à procura do sapatinho da Cinderella do que a atender o público) e N-A-D-A! E eu nem queria acreditar que, depois de tanta perseverança, o desfecho seria o mesmo que eu tinha tido há três dias atrás, agora ainda com um sabor mais amargo...
Fui para casa e não me consegui conformar com o sucedido...alguém tinha encontrado o sapatinho da Cinderella e novamente o tinham perdido...
Deitei-me e confesso que, de há uns anos para cá, a noite é a minha melhor conselheira...apesar de nunca me deitar cedo, é já na cama e com a cabeça sobre a minha inseparável almofada que tenho muitas das minhas ideias e, por isso, há sempre um bloco de notas e uma caneta à mão para qualquer eventualidade. Apesar de não acreditar nada no poder da mente nem tão pouco no destino, acontece-me inúmeras vezes, deitar-me a pensar num assunto, sonhar com ele e, posteriormente, conseguir torna-lo real...frequentemente lembro-me também duma frase que, há uns Natais atrás, um grande amigo me disse: "nunca desistas dum sonho, porque se não houver numa pastelaria, decerto encontrarás noutra..."
Essa noite não foi excepção, deitei-me e pus-me a pensar sobre o sapatinho da Cinderella e onde estaria naquele momento...lembrei-me que na noite da azáfama das compras de Natal tinha estado, entre outras lojas na Zara, mas só na Zara Woman e, talvez algum dos empregados, ao ver a botinha de lã de criança deixada na caixa do balcão dos adultos, a tivesse levado para a caixa do balcão da Zara kids...quem sabe.
No dia seguinte, assim que tive oportunidade, fui directa à Zara Kids e, inexplicavelmente lá estava o sapatinho da Cinderella à minha espera...o Pedro ficou incrédulo e a primeira coisa que me disse foi para não voltar a colocar "os sapatinhos da Cinderella" nos pés da Leonor e que mereciam, no mínimo, ser emoldurados...pela 1ª vez na vida, fiz-lhe a vontade!!!

Ana Pádua
17/!2/2012

os sapatinhos da Cinderella

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