Não tenho por hábito coleccionar "tarecos" antigos, mas sempre achei
muita graça aos objectos que passam de geração em geração e que têm uma
história...há uns meses, a minha mãe encontrou na sua casa umas botinhas
de lã cor de rosa, amorosas, muito fofinhas e quentinhas, que eram
minhas quando eu era bebé, pelo que têm pelo menos 40 anos e, portanto,
considerei-as logo uma pérola...a minha mãe nunca guardou religiosamente
as nossas recordações, sejam elas fotografias, objectos ou qualquer outra
ligação com o passado, pelo que os nossos antigos pertences lá andam em
parte incerta e, quando se encontra algum, é motivo de festa...
As botinhas de lã fizeram as minhas delícias, até porque já ninguém
usa botinhas de lã, e não hesitei em calça-las à Leonor assim que lhe
serviram e que o frio chegou...adoro colocar-lhas e dizer-lhe que foram
minhas quando eu tinha a sua idade e passei a chamar-lhes "os sapatinhos da Cinderella".
No passado Sábado, numa digressão ao shopping e numa tentativa
frustrada de fazer umas comprinhas de Natal, lá fomos nós com a Nônô e
os sapatinhos da Cinderella calçados para uma tarde que se vislumbrava animadora...
"Enclausurei" o Pedro na FNAC, que é o único lugar no shopping onde
consegue estar sem se aperceber do passar das horas, peguei na bebé e
comecei a minha tournée no piso superior...de loja em loja, ia tentando
descobrir o presente ideal para o tio-A, para a tia-C, para o amigo-X e
para o sobrinho-Z e a frustração começava a ser grande porque a
imaginação faltava...passadas umas horas e com as mãos livres de
compras, combinei encontrar-me com o Pedro que vinha todo sorridente,
pensando que o shopping estava "feito" e que a casa era o próximo
destino...
Quando olhei para um dos pés da Leonor, reparei que um dos sapatinhos da Cinderella estava
quase a cair e pedi ao Pedro para coloca-lo convenientemente porque
estavam ali 40 anos...o pior foi quando o Pedro me respondeu que o outro
pé já estava descalço!
Aqui começou a nossa aventura...foram quilómetros e quilómetros
palmilhados no shopping de trás para a frente e da frente para trás, as
lojas varridas, os corredores passados a pente fino mais a zona da
restauração, os lojistas inquiridos, as senhoras do balcão de
informações indagadas, mais as empregadas da limpeza questionadas e mais
tudo o que nos aparecesse pela frente interrogado...acho mesmo que
passámos por maluquinhos ou mesmo por loucos!
Por entre o ar incrédulo de uns e a indignação de outros, lá íamos
nós, tentando explicar que era dum valor afectivo e sentimental que se
tratava (sim, porque ninguém compreendia que duas alminhas andassem há
horas à procura duma objecto tão "insignificante") e, ainda por cima, em
contra-relógio porque na história infantil o tempo limite é a
meia-noite e o Cascaishopping tem a agravante de encerrar às 23h! Uffa,
foi uma estafadeira...eu já nem sentia as pernas como se de uma aula de
step tivesse saído, o Pedro, que habitualmente não dá um passo, mais
parecia ter corrido a meia-maratona e a Nônô, no meio de tanta exaustão,
já dormia como um anjinho...
O shopping fechou e a desilusão apoderou-se de nós, sim de nós, porque o Pedro também achava graça aos sapatinhos da Cinderella; ele
adora objectos que perduram no tempo e que se imortalizam com o passar
dos anos, ou melhor, ele colecciona T-U-D-O, e quando digo tudo é mesmo
T-U-D-O!!! Nunca se desfez dum brinquedo desde que nasceu, tem uma
colecção de t-shirts emblemáticas dos 1001 concertos a que assistiu ao
longo da vida, mais um sem número de miniaturas de carros e motas que
deliciariam muitas crianças e mais uma panóplia de capacetes em tamanho
real que nunca usa! Costumo dizer-lhe que só os velhos têm estas manias e
que, apesar do seu quase meio século de existência, nada justifica a
sua colectânea de haveres. Eu não guardei quase nada da minha infância
(excepção feita a uma boneca, a Pipi das meias altas, que me foi
oferecida por um veterinário amigo da família e a um urso de peluche, o
Giovanni, que os meus pais me trouxeram de Itália quando eu era
pequenina) e colecções, só mesmo a de Santos "António", que prolifera há
muitos anos lá por casa e que faria inveja a muitos membros do
Clero...mas aquelas botinhas de lã tinham um significado especial para
mim...
Fomos para casa e decidimos que, pela manhã, regressaríamos ao shopping na esperança que, após a limpeza das lojas, o sapatinho da Cinderella
fosse encontrado...e a saga repetiu-se...e as lojas foram novamente
todas batidas e as empregadas, que já nos conheciam da noite anterior,
sorriam, mas nada do que procurávamos conseguimos reaver!
A frustração aumentava e lembro-me de num dos "select rewind" que fiz
à minha memória ter dito ao Pedro que possivelmente teria sido na Zara
que o sapatinho da Cinderella teria ficado...logo na
Zara, que por azar era a loja maior pela qual tinha passado e que aos
fins-de-semana mais parece uma feira com tudo mexido e remexido e com a
agravante dos expositores terem um espaço aberto nas respectivas bases
onde tudo, além do pó (mais que muito!), se pode acumular!!! Voltámos à
Zara e perguntámos pela milionésima vez (aqui já começava a sentir uma
certa vergonha) mas a resposta era sempre negativa...
Comecei a mentalizar-me que era melhor dar o caso por encerrado
porque, dada a insignificância do objecto em questão, o mais certo era
alguém o ter posto no caixote do lixo...acho mesmo que foi o único sítio
que não vasculhámos! Contei o episódio à minha mãe, que com o seu lado
mais pragmático e humorista, me disse que guardaria a botinha de lã que
restara que, por ficar desirmanada, passaria a ter 80 anos...
Sou de ideias fixas, tão fixas que tenho a noção que muitas vezes me
torno obstinada o que, aliado à minha teimosia, resulta numa combinação
perigosa e daí, o amigo que desenhou há uns anos o logotipo para a minha
clínica, ter decidido que o cão que lá constaria seria o cão do
Asterix- o Ideafix!
Na 4ª feira regressei ao shopping para ver se finalmente fazia umas
compras de Natal e, passando novamente pela Zara, lembrei-me de
perguntar na caixa se não havia sinal do sapatinho da Cinderella...a
responsável de serviço disse-me que já tinha ouvido falar na história
(estranho seria se não tivesse ouvido!) e adiantou que afinal a colega
Catarina teria encontrado a botinha de lã e, de imediato, a Catarina foi
chamada à caixa central! Eu estava radiante de felicidade e aguardava
ansiosa a chegada da Catarina que ao ver-me confirmou toda a história,
garantindo-me que teria deixado a "preciosidade" naquela caixa e iniciou
a busca pelos perdidos e achados da loja...meia-hora de buscas e nada!
Mais empregados mobilizados (acho mesmo que a dada altura estavam mais
empregados à procura do sapatinho da Cinderella do que a
atender o público) e N-A-D-A! E eu nem queria acreditar que, depois de
tanta perseverança, o desfecho seria o mesmo que eu tinha tido há três
dias atrás, agora ainda com um sabor mais amargo...
Fui para casa e não me consegui conformar com o sucedido...alguém tinha encontrado o sapatinho da Cinderella e novamente o tinham perdido...
Deitei-me e confesso que, de há uns anos para cá, a noite é a minha
melhor conselheira...apesar de nunca me deitar cedo, é já na cama e com a
cabeça sobre a minha inseparável almofada que tenho muitas das minhas
ideias e, por isso, há sempre um bloco de notas e uma caneta à mão para
qualquer eventualidade. Apesar de não acreditar nada no poder da mente
nem tão pouco no destino, acontece-me inúmeras vezes, deitar-me a pensar
num assunto, sonhar com ele e, posteriormente, conseguir torna-lo
real...frequentemente lembro-me também duma frase que, há uns Natais
atrás, um grande amigo me disse: "nunca desistas dum sonho, porque se
não houver numa pastelaria, decerto encontrarás noutra..."
Essa noite não foi excepção, deitei-me e pus-me a pensar sobre o sapatinho da Cinderella e
onde estaria naquele momento...lembrei-me que na noite da azáfama das
compras de Natal tinha estado, entre outras lojas na Zara, mas só na
Zara Woman e, talvez algum dos empregados, ao ver a botinha de lã de
criança deixada na caixa do balcão dos adultos, a tivesse levado para a
caixa do balcão da Zara kids...quem sabe.
No dia seguinte, assim que tive oportunidade, fui directa à Zara Kids e, inexplicavelmente lá estava o sapatinho da Cinderella à minha espera...o Pedro ficou incrédulo e a primeira coisa que me disse foi para não voltar a colocar "os sapatinhos da Cinderella" nos pés da Leonor e que mereciam, no mínimo, ser emoldurados...pela 1ª vez na vida, fiz-lhe a vontade!!!
Ana Pádua
17/!2/2012
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os sapatinhos da Cinderella |