quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Uma gata chamada...Kitty!

Há uns meses, a avó Nhônhõ encontrou uma gatinha bebé no meio da estrada...uma fêmea preta com uns ínfimos pêlos brancos disseminados por todo o corpo e uma cauda eriçada que se assemelhava à de um esquilo; estava completamente esfomeada, desorientada e doente, pelo que foi recolhida, não só para eu tratar, mas também para tratar de arranjar-lhe um dono...
Previa-se que a sua sina não estivesse traçada na palma da mão (ou melhor, pata), mas na sua identidade de género e na cor da sua pelagem e tudo porque a maioria das pessoas, apesar de estarem sempre em constante negação, são machistas e muuuiiiiito supersticiosas.
Ao longo da vida tive três cães, curiosamente todos eles pretos...o Kimba com quem convivi nos meus primeiros anos de vida, o Cocas que acompanhou toda a minha infância e adolescência e, por último, o Paquito que me fez compreender porque é que existem os cães d`água e depois todos os outros animais...quanto a gatos, sempre foram uma constante na minha vida e, por casa da minha mãe, devem ter passado todas as pelagens que os europeus comuns suportam, desde brancos a pretos, pretos e brancos, tartarugas, cinzas, amarelos, tigrados e mais alguns que já nem me lembro da cor...
Enquanto eu procurava e desesperava por um adoptante, o tempo passava, o animal melhorava e a Nônô afeiçoava-se àquele ser indefeso, a quem começou por chamar "gatinha bebé" e, ao vislumbrar este cenário que era deveras promissor, tentei convencer a Nônô que a gatinha estava ali em convalescença e que teríamos de encontrar-lhe um dono, mas a resposta da Nônô era sempre "EU SOU A DONA!"...e daí até ao baptismo da gata foi um pulinho e a "gatinha bebé" passou a chamar-se Kitty...
A Hello Kitty era uma daquelas personagens que eu tolerava (não amava é certo, mas simpatizava) até que vi a minha vida ser literalmente invadida, por todos os lados e direcções, pela gata mais famosa do mundo...a Nônô é uma "Kitty lover" e eu já só tropeço em ganchos, pulseiras, colares, relógios, lápis, canetas, cadernos, blocos, malas, malinhas e malões, chapéus, bolas, braçadeiras e sei lá eu mais o quê, tudo o que diariamente se encontra espalhado pelo chão da casa, o que me fez passar a olhar para a referida personagem com outros olhos...para meu regozijo, constou-me que a gata está em vias de extinção devido aos constantes plágios de que tem sido alvo; não sei se este é o verdadeiro motivo para o seu eclipse, mas não cabo em mim de contentamento, até porque já me apercebi que o meu eterno ídolo, o Snoopy, está de volta e, este sim, é um personagem com graça!
Mas a "gatinha bebé" ficou mesmo Kitty e, a partir daí, a nossa vida mudou e a dela também...o animal passou a não ter um segundo de descanso, salvo as horas em que a Nônô está na escola porque, assim que chega, não há entretenimento melhor que desfrutar da companhia da Kitty que constantemente é abraçada, beijada, apertada e ainda tem de ouvir histórias para adormecer e sermões quando a Nônô entende que o seu comportamento não é o mais adequado e, incrivelmente, a gata permanece sempre estática e nunca põe as garras de fora e é enternecedor observar a interacção das duas, que além de terem uma empatia mútua, já não vivem uma sem a outra...
Pelos mais variados motivos, tenho imenso respeito e admiração por quem se dedica à causa animal, mas com o passar dos anos, apercebi-me que, regra geral, os donos de felinos são mais pragmáticos que os proprietários de canídeos mas, no que toca à defesa das espécies, o quadro inverte-se e as protectoras dos cães são muito mais descomplicadas que as "maluquinhas" dos gatos" e começa logo porque, para estas últimas, nenhum adoptante tem perfil para o ser...ou é porque vive num apartamento e os animais podem tentar o suicídio e "voar" de alguma janela, ou é porque se habita numa casa com jardim e os gatos podem escapulir-se pelo gradeamento (a não ser que a vedação seja inspirada em Auschwitz) e acabarem debaixo de um carro ou na boca de um cão, ou é porque vão coabitar com outros animais e podem vir a sofrer de algum stress traumático ou de outra enfermidade qualquer e, a encabeçar os pré-requisitos que aniquilam qualquer potencial adoptante, estão as crianças! Eu sei que há uns pestinhas que rasam a crueldade e o sadismo e só apetece bater-lhes (a começar logo pelos progenitores), mas a grande maioria das crianças são naturalmente dóceis para com os animais e, esta saudável convivência, além de proporcionar muita diversão e brincadeiras em família, ainda tem o benefício de ajudar a reforçar a auto-estima (num precioso combate à timidez, ao medo e à ansiedade) e, acima de tudo, ensina a responsabilizar, que neste caso específico, é sinónimo de amar, cuidar e tratar...
Bom, quanto à Kitty, actualmente está em casa da avó Nhõnhõ, onde convive com mais dois semelhantes que, em vez de stress e enfermidades, transmitem-lhe afectos; tem um jardim à sua disposição para brincar e subir às árvores e onde aprenderá naturalmente a defender-se dos perigos exteriores mas, o mais certo é daqui por uns tempos ir viver para um apartamento onde a segurança já é forçosamente reforçada para que ninguém se aventure a testar as leis da gravidade e, sem dúvida, o mais engraçado nesta história foi ter sido a Nônô a responsável pela sua adopção e não tivemos outra alternativa senão dizer: "Hello, Kitty!"

Ana Pádua
23/09/2015 

responsabilizar é...
amar...

cuidar...

...e tratar
I LOVE CATS

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

O quadro

Há já algum tempo que tinha a intenção de pedir a alguém que retratasse a Nônô num quadro...pesquisei, pesquisei muito e tudo o que encontrava, me indicavam ou me aconselhavam, por um motivo, por outro ou por vários, em nada correspondia ao que eu tinha idealizado...
Um dia, enquanto esperava pela impressão dumas fotografias numa loja que frequento habitualmente, entra uma senhora com uma criancinha segura por uma mão e um quadro para emoldurar na outra...os meus olhos fixaram-se durante uns minutos no quadro, em seguida, desviaram-se para a criança e, nesse preciso momento, percebi que estava ali mesmo o que eu incessantemente procurava. Sem grandes rodeios, abordei a senhora que se revelou muito simpática e disponibilizou-me logo a fotografia através da qual o quadro tinha sido feito e disse-me que, tal como eu, também ela já havia percorrido seca e meca à procura de alguém que retratasse o filho, porque isto de pintar é tudo muito lindo, mas conseguir captar expressões faciais tem muito que se lhe diga...disse-me ainda que o seu quadro tinha sido pintado por um artista descoberto por mero acaso durante um passeio no local onde, por coincidência, nós estaríamos de férias na semana seguinte; disse-me ainda que não se lembrava do nome do pintor e eu ainda olhei para a assinatura mas, tal como a maior parte delas, revelou-se ilegível e, conversa terminada, a fotografia da Nônô foi o primeiro objecto a "marchar" para o interior da minha mala de viagem...
A fotografia elegida foi tirada no dia em que a Nônô completou três anos e, para mim, tem muito significado, não só porque consegui captar-lhe uma expressão de felicidade genuína quando viu o bolo de aniversário (uma Kitty), mas porque naquele momento, o seu sorriso foi a minha minha maior recompensa num autêntico caso de "prometido é devido"...
Já no nosso destino de férias e, assim que tive oportunidade, fui passear com a Nônô e a minha sobrinha Filipa até ao local onde eventualmente estaria o pintor e, quando lá chegámos, deparámo-nos com o talento de vários artistas, sentados e de costas voltadas para os transeuntes que ali passavam e paravam para contemplarem as suas obras...passei a vista pelos vários quadros expostos, observei os pintores que retocavam as suas últimas criações e fixei-me num que, por várias razões, chamou a minha atenção e, curiosamente, tanto eu como a Filipa, olhámos uma para a outra e dissemos em uníssono "só pode ser este!"
Concentrado no seu mais recente retrato e imperturbável perante todo o reboliço das pessoas que por ali passavam, o pintor exibia um chapéu que lhe cobria parte da face e uns óculos na ponta do nariz...aproximei-me e, no tom de voz mais baixo que consegui, expliquei-lhe como tinha ido ali parar e o que pretendia, enquanto tirava a fotografia da mala...ele desviou o seu olhar tímido por cima dos óculos, fez uma pausa, sorriu e disse "C`est une belle photo"...a partir daí, o nosso discurso alternou entre o português e o francês até conseguirmos chegar a um consenso.
De regresso à casa onde estaríamos por mais alguns dias, lembrei-me duma viagem a Paris, na companhia de uma amiga com quem sempre adorei passar férias e de um amigo que se revelou o melhor cicerone que alguém pode ter na cidade luz...aturou-nos, proporcionou-nos uma viagem divertidíssima, mostrou-nos todos os lugares emblemáticos da capital, levou-nos a bistrôs de comer e chorar por mais e ao melhor restaurante de que tenho memória e foi um guia exemplar nos museus que, com as suas descrições dos quadros, autores e épocas, fez-nos passar a olhar para a pintura com outros olhos...assim, embevecidos pela arte, numa bela manhã de Dezembro, decidimos ir até Montmartre e perdemo-nos no tempo enquanto admirávamos o trabalho de alguns pintores e eu tenho a plena consciência que, nesse dia, dei a seca da vida aos meus amigos quando decidi que dali não arredaria pé sem um quadro...no meio de tantas telas, a escolha adivinhava-se difícil e eu não queria um quadro qualquer, queria um que fosse o souvenir perfeito daquela viagem de sonho...e quando os meus amigos imploravam para que a decisão fosse célere, pois desfaleciam de fome e já só se imaginavam a degustar uma sopa de cebola gratinada com pão torrado (que aquece qualquer corpo e alma num dia de Inverno), a voz da minha amiga sussurrou-me ao ouvido "só pode ser este!", enquanto apontava para um quadro onde estava retratado um bistrô com a inscrição "CHEZ ANNE"...e foi mesmo o quadro eleito que, além de me trazer sempre à memória recordações fantásticas dumas férias inesquecíveis, tem um lugar privilegiado na minha sala e tem o dom de me fazer sentir verdadeiramente "em casa"...
Quanto ao retrato da Nônô, foi-nos entregue na véspera da nossa partida e ficará para sempre registada a alegria da Nônô quando se viu retratada no quadro e exclamou bem alto "É A NÔNÔ!!!"...ainda houve tempo para imortalizar o momento numa fotografia com o autor (merci Gérard Minéo!) e, como não poderia deixar de ser, a obra já se encontra emoldurada, pendurada numa parede e..."CHEZ ANNE"

Ana Pádua
16/09/2015 

o pintor, a obra e a "musa"
o quadro...


...e a fotografia que o originou



CHEZ ANNE

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

O regresso às aulas e a ansiedade por separação

Para a Nônô, hoje começou um novo ano escolar, não o 1º, nem o 2º, mas sim o 3º!
Para mim, as férias também acabaram não há um, nem há dois, mas sim há três dias, o que significa que as nossas rotinas lentamente tiveram de voltar à "normalidade"...
No meu caso, a readaptação não foi difícil até porque já levo uns aninhos disto e sei que no 1º dia de trabalho pós-férias parece tudo maravilhoso, no 2º dia até pensamos que já tínhamos saudades da profissão, no 3º dia achamos que as férias fizeram o milagre da duplicação da paciência, no 4º dia começamos a "cair na real" e no 5º dia já só nos apetece voltar para o lugar de onde acabámos de sair...
Nos últimos dias, tentei convencer a Nônô que as suas férias também iriam acabar, que a escola estava prestes a começar, que iria ser fantástico rever os coleguinhas, contar-lhes as suas aventuras do Verão, escutar as histórias deles, conhecer as novas educadoras, descobrir os encantos e recantos da nova sala de aulas e blá, blá, blá...todos os dias o meu discurso era o mesmo e, lá por casa, já ninguém me podia ouvir e só me diziam que eu parecia um daqueles activistas da "esquerda caviar" a tentar mentalizar as massas...
A verdade é que com as crianças, a readaptação nem sempre é pacífica e, nalguns casos, chega mesmo a ser complicada, porque com tudo a que tiveram direito durante um mês de férias, entre as actividades apetecíveis que forçosamente são diminuídas e os horários a terem que ser reajustados, juntam-se mais algumas alterações na atenção (que deixa de ser exclusiva), nos mimos (que têm de ser partilhados) e na presença (não tão constante) de todos aqueles que lhes são próximos, por isso, é de prever que no regresso às aulas, algumas criancinhas sofram de ansiedade por separação que, nos primeiros dias do ano lectivo, geralmente se traduz em choro convulsivo ou berraria desenfreada, apertos sufocantes no pescoço dos pais e posterior isolamento por tempo indeterminado num qualquer canto da sala de aulas e, embora muitas vezes estes comportamentos sejam interpretados como parte da personalidade de cada  indivíduo, na verdade são o resultado da sua incapacidade para lidar com a situação...
Felizmente nunca tive de passar por estas situações que são aflitivas e constrangedoras, mas desde que a Nônô iniciou o seu percurso escolar, resolvi adoptar a técnica ensinada a quem tem de lidar com animais de 4 patas que também sofrem de ansiedade por separação e que, na ausência dos seus donos de estimação, resolvem passar o dia a vocalizar latidos e uivos, a destruir a casa sob as mais diversas formas e, no pior dos cenários, a optar pela auto-flagelação.
A técnica, em poucas palavras, consiste em não fazer grandes dramas na despedida (e nem são referidas lágrimas que são perfeitamente desnecessárias), com beijos e mais beijos, festas e festinhas e mais todas as outras manifestações excessivas de amor (que podem e devem ser guardadas para outras ocasiões), sendo também conveniente nos reencontros controlar todas as manifestações excessivas de euforia, ou seja, desvalorizar tanto as "partidas" como as "chegadas", com o único objectivo de não transformar a separação e a ausência em algo severamente angustiante...e connosco tem resultado!
Todas as manhãs, e à porta da sala de aulas, temos ainda um "ritual" baseado numa pequena conversa onde consta sempre uma recomendação "porta-te bem", seguida de um "shot" para reforço da sua confiança com a frase "gosto muito de ti", a que se segue a promessa sempre cumprida "já venho buscar-te" e, por fim, o indispensável beijo para selar o compromisso...e, tal como de há dois anos a esta parte, esta manhã, com esta conversa e muito entusiasmo, lá se iniciou mais um ano escolar!


Ana Pádua
04/09/2015

WELCOME BACK TO SCHOOL