sábado, 13 de março de 2021

Há um ano a ver o mundo de outra maneira...

Foi precisamente há um ano que tudo mudou...a pandemia já tinha começado há uns meses e já ameaçava Portugal há umas semanas, mas foi no dia 13/03/2020 que as escolas encerraram.
Recordo a sensação quando, naquela sexta-feira, fui buscar a Nônô à escola e não me cruzei com ninguém, lembro-me do olhar incrédulo da directora e, acima de tudo, a tristeza que senti quando vi todos os manuais escolares colocados em cima das mesas da sala para serem ordeiramente recolhidos pelos alunos, num pleno sinal que iriam ficar em casa por um tempo indefinido...
O fim de semana seguinte foi pautado pela angústia (que aumentava com as imagens aterradoras que entretanto chegavam de Espanha e de Itália) e pela incerteza dum futuro próximo que somente foi apaziguada na 2ª feira seguinte quando recebemos uma planificação de como seria, dali para a frente, uma parte tão importante da nossa vida. Rapidamente percebemos que iríamos embarcar nesta viagem por tempo indeterminado e, o que inicialmente seria uma mera travessia entre as margens dum rio, transformou-se numa viagem longa em mar alto, mas onde pudemos contar com uma navegação sempre segura com a mestria da Carlota e, posteriormente da Cátia, que uns meses mais tarde, ancorou o nosso barco em bom porto. Foi uma aventura, da qual saímos indiscutivelmente diferentes, pela aprendizagem que nos proporcionou, pelos laços que criámos, pela interajuda que experienciámos e jamais esqueceremos a emoção vivenciada na última aula pelo dever cumprido...foi tão bom!
Pelo meio aprendemos a lidar com uma nova normalidade e o maior desafio foi manter a razoabilidade para que as crianças pudessem continuar a ter uma infância feliz em que o medo não pautasse o seu desenvolvimento; vimos sonhos suspensos e planos adiados; tentámos manter o foco e alimentámos a esperança; desfrutámos como nunca da vista da varanda; descobrimos maneiras de celebrar a Páscoa, os aniversários, o Natal e tantas outras festividades nos mais variados formatos; fomos confrontados com o histerismo de uns e com o facilitismo e os (in)consequentes comportamentos de outros e fomos sobrevivendo por entre os "covidados", os confinados (com alguns "covideiros" à mistura que chegam a recear a própria sombra e são mesmo capazes de visualizar vírus na vedação dos burros lanudos da quinta do Pisão!), os inconformados (cujas lamúrias são uma constante e vivem aprisionados num passado recente que dificilmente se repetirá), os revoltados (para quem a culpa é de todos menos deles próprios e atiram pedras em todas as direcções que geralmente lhes caiem em cima) e ainda os que julgam que estamos todos a ser manipulados (fervorosos adeptos da teoria da conspiração e com a mania da perseguição), os mesmos que garantem que o homem não foi à Lua e que o 11 de Setembro não aconteceu e passam a vida a gritar ao mundo para acordar e a chamar ovelhas aos próprios amigos...um mimo!
Em Setembro veio o regresso à querida escola, um pouco diferente do que sempre conhecemos, mas igualmente bom, porque apesar das contingências, o essencial estava lá...o amor, a dedicação, a segurança e a confiança que são determinantes para que as crianças continuem a crescer sem dramatismos e receios. Não se observaram pais aglomerados no portão do estabelecimento de ensino nem pendurados na vedação, não se ouviram murmúrios ou lamentações, não houve julgamentos nem perseguições, mesmo quando os mais distraídos, onde me incluo, se esqueciam da máscara e improvisavam com o que tinham à mão!
Já no decorrer deste ano lectivo, voltámos a embarcar noutra viagem, com diferente rota e outro destino, mas onde pudemos contar novamente com a organização, disponibilidade e paciência da professora. Sou grata à Cátia, não só pelo empenho, mas pela serenidade que transmitiu em cada aula e reconheço que, nem praticando meditação todos as manhãs e ingerindo umas quantas benzodiazepinas ao pequeno-almoço, em tempo algum eu conseguiria manter tamanha calma, que reconheço ser fundamental e transmitir a segurança necessária para toda a tripulação acreditar que chegará onde só chega quem não tem medo de naufragar...
Por muito que possamos apreciar o ensino à distância, as expectativas nunca poderão ser semelhantes às do ensino presencial, pois a motivação, a concentração e o interesse jamais serão equiparáveis e, por isso, o tempo urge porque os danos causados no ensino serão difíceis de reparar e é importante as crianças voltarem rapidamente a um certo ritmo de aprendizagem, até porque já se percebeu que o país carece de médicos e de outros profissionais de saúde em geral e não de youtubers ou influencers em particular.
Tal como aconteceu o ano passado, este ano a Nônô também frequentou o ensino presencial até ao último dia em que o mesmo foi possível porque sempre acreditei que a escola é e continuará a ser um lugar seguro. Assim, aguardamos ansiosamente que na próxima semana a escola reabra novamente as suas portas que, efectivamente, nunca se fecharam e mantiveram-se sempre entreabertas, pelo menos foi assim que, ao longo do último ano, imaginei e senti...

Ana Pádua
13/03/2021
a ver o mundo de outra maneira...

segunda-feira, 1 de março de 2021

Uma mentira, mil vezes repetida...

Quando há alguns anos atrás, a Nônô recebeu o seu primeiro peixinho de estimação, ninguém imaginava a saga que se avizinhava. Nesse tempo, a fada dos dentes deixou em nossa casa um lindo aquário com um peixinho laranja que a Nônô baptizou de Leonardo e pelo qual se responsabilizou desde logo, não havendo dia em que a prioridade ao acordar fosse outra senão alimentar o animal e certificar-se que a fauna aquática estava fina...
Ao longo dos anos, toda a magia que envolve a fada dos dentes, o pai Natal e mais coelho da Páscoa foi conseguindo sobreviver aos colegas mais velhos e aos espertinhos do costume e, apesar de já ninguém tentar convencer a Nônô que os bebés vêm no bico das cegonhas, até porque um dia já a ouvi dizer que eram "histórias", há um tema que sempre se revelou de difícil abordagem, a morte. É certo que faz parte da vida e que, a partir dos 3 anos, as criancinhas começam a ter essa consciência e percepção, mas a minha convicção (por mais errada que possa estar) é que as crianças tem a vida toda para aprenderem a lidar com o mais profundo sentimento de perda, por isso, sempre me incomodaram as pessoas que estão sempre a abordar o tema com os mais pequenos.
Posto isto e, apesar desse peixinho ter vivido um tempo considerável e até ter sobrevivido a um autêntico milagre, um dia teve o seu fim e a lei da vida conheceu uma outra "verdade"...
Apressadamente foi substituído por outro peixinho laranja e para que a Nônô não se apercebesse que o Leonardo II não era exactamente igual ao Leonardo I, a fada dos dentes também adquiriu outro exemplar, mas de coloração branca e laranja para que, no meio do milagre da multiplicação dos peixes, qualquer diferença passasse despercebida. Ao peixe bicolor foi-lhe atribuída uma identidade de género diferente e a Nônô chamou-lhe Leonarda e rapidamente desposou o Leonardo II e, posteriormente a fada dos dentes ainda trouxe mais um peixinho que seria o filho de ambos, o qual recebeu o nome de Estrelinha e, assim, estava criada a bela da "happy family"...
O problema começou porque na semana em que não quinava o pai, quinava a mãe, já para não falar das alturas em que o genocídio era completo e, como nalguns casos, era impossível a sua atempada substituição, os peixes começaram a "hibernar"... 
As hipotéticas causas de tão elevada mortalidade foram minuciosamente escrutinadas, desde a quantidade de comida oferecida aos animais até ao tipo de água colocada no aquário, passando pelos filtros e mais anti-calcários usados e até pelas pedras do decor que foram eliminadas e davam imenso jeito para dissimular a "hibernação". Conheci tudo o que é loja de animais num raio de 50 quilómetros e o pior é que nem sempre conseguia encontrar peixes disponíveis do pé para a mão, pelo que o período de "hibernação" era variável...
Lembro-me que infelizmente um dos peixes resolveu "hibernar" num dos aniversários da Nônô e aí vi a vidinha a andar para trás, porque tinha uma das criancinha convidadas a gritar que estava um peixe morto no aquário (e eu a apetecer-me dar-lhe um tapa na boca!), a Nônô a tentar explicar-lhe que o peixe estava a hibernar e, enquanto eu ultimava os preparativos para a festa possível que coincidiu com o encerramento do último ano lectivo por videoconferência, tive que tratar das exéquias fúnebres do animal...um filme!
Claro que o problema adensava-se a cada dia porque a Nônô, que presta atenção a todos os pormenores, começou a reparar que os peixes que voltavam da "hibernação" estavam mais magros ou mais pequenos ou com as barbatanas e cauda diferentes ou, no pior dos cenários, com uma pigmentação diferente daquela que sempre tinham ostentado, pelo que a "hibernação" passou a ter estes inexplicáveis fenómenos! Eu perdi a conta aos peixes que comprei e só sei que todo o investimento na nossa piscicultura dava, no mínimo, para saborear um belo robalo ao sal com vista para o mar do guincho...
E foi precisamente numa das semanas em que o genocídio foi total que me dirigi a uma das lojas de animais e deparei-me com três peixes imersos num aquário com uma água escura como breu que mal dava para lhes ver a cor...eram exemplares únicos: um podia ser o Leonardo porque era laranja, o outro assemelhava-se à Estrelinha que também atirava para essa tonalidade, agora a Leonarda que em todas as suas vidas tinha sido branca e laranja, passaria forçosamente a ser preta e branca! Paciência, eram exemplares únicos e estavam ali para serem resgatados até porque, se num passado recente nem sempre era fácil encontrar peixes, agora, em plena pandemia, a missão era quase impossível!
Peguei nos três peixes e na água turva na qual vinham imersos e foi tudo para dentro do aquário e lembrei-me que o peixe que conheci que mais tempo viveu, pertencera ao meu irmão Zé que garantia que só o alimentava uma vez por semana (quiçá, uma vez por mês!) e que o animal se orientava a ingerir o fitoplâncton (vulgo verdete) que proliferava no seu aquário. Desde esse dia, a higienização do habitat piscícola deixou de ser prática corrente, limitando-se a uma substituição parcial da água de tempos a tempos e, até ver, a "hibernação" deixou de ser uma constante.
A questão parecia estar controlada, mas o problema tornou-se viral quando a Nônô resolveu dizer na escola que os seus peixes hibernavam e, de vez em quando, lá vinha para casa dizer que alguns colegas tinham perguntado aos pais que negavam tão inusitado fenómeno e eu respondia sempre que os pais dos coleguinhas não eram veterinários e, por isso, não percebiam nada do assunto...mas como o modelo pedagógico do estabelecimento de ensino que frequenta, incentiva a aprendizagem através da pesquisa, da descoberta, do diálogo e da interpelação, sem me aperceber, os peixes da Nônô passaram a ser objecto de estudos intensivos e investigações científicas, quase a serem alvo de visitas de estudo guiadas ao aquário.
Numa bela manhã, ainda antes das crianças ficarem em casa no ensino à distância, enquanto encaminhava a Nônô para a sala de aulas, fui interceptada por uma das suas professoras que me perguntou se os exemplares da Nônô pertenciam a alguma espécie rara de peixes, já que nas pesquisas efectuadas tinham descoberto uns espécimes que talvez pertencessem à mesma família que, entretanto, se tornara famosa pela "hibernação". Mais tarde, já no confinamento, outra das professora voltou a abordar-me por telefone com o mesmo assunto...
Não sei se andaram a estudar a fauna aquática que se faz de morta para evitar ser predada ou se andaram a analisar o metabolismo basal das carpas no tempo mais frio, mas enquanto eu explicava a verdade da razão escondida na mentira da tão controversa "hibernação" dos peixes da Nônô, só me ocorreu um pensamento...
Uma mentira, mil vezes repetida...quase se torna verdade!

Ana Pádua
01/03/2021

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